home LP, MÚSICA There is a tide – Chris Potter (Edition Records, 2020)

There is a tide – Chris Potter (Edition Records, 2020)

Chris Potter gravou o álbum que não sabia que queria numa altura em que era impossível escolher onde fazê-lo e improvável ter a colaboração dos músicos que desejaria para concretizar as suas ideias. A solução: tocar todos os instrumentos e gravar tudo em seis semanas. Para além do seu saxofone de eleição, Potter toca bateria, baixo, piano e teclas, guitarra eléctrica e acústica, percussão, clarinete e clarinete baixo, flauta e flauta alto e para fechar, controla os samples. O resultado é um disco coeso e com uma vaga rítmica que o atravessa (There is a tide não é um título inocente) e embora com limitações na execução dos instrumentos, como a bateria por exemplo, as suas composições revelam um criativo preocupado em criar melodias que aproximem ao invés de alienar, acusação frequentemente imputada ao jazz.

A complexidade de arranjos e camadas sonoras de que não abdica é complementada quase sempre por frases melódicas directas, sem que se perca pitada de requinte em temas como “I Had a Dream” ou “New Life (In the Wake of Devastation) que abrem e encerram o álbum.

Pelo meio encontramos composições que encaixariam perfeitamente num ensemble ou mesmo uma big band tocadas pelo mesmo homem, por vezes a fazer lembrar os álbuns com Dave Holland, de quem com certeza recolheu preciosos ensinamentos, outras mais ligadas a África, via percussão e ritmo, místicas até, como “Mother of Waters”. Depois vem essa pérola polirrítmica inqualificável chamada “Rising Over You”, onde redescobrimos o clarinete ainda capaz de grandes solos e composições de jazz que não têm que ser previsíveis para demonstrar profundidade ou alcance.

Mas depois chega aquela música que vamos querer ouvir mais tarde e repetir, mostra a quem queira ouvir, por coincidência as mais tranquilas de todo o alinhamento. “Drop Your Anchor” com o seu clarinete baixo acompanhado de perto pelo baixo eléctrico, a que se junta a guitarra acústica e os solos sucessivos com clarinete e flauta transversal, numa toada a fazer lembrar as baladas nordestinas do Brasil, é a paragem em que saímos para esticar as pernas e descansar o ouvido, lembrando dias melhores. “Rest Your Head” é uma mini valsa acústica, liderada pelo saxofone e acompanhada com rigor pelas guitarras, numa composição curta bem pop, em que o refrão em crescendo vale todo o disco, o solo de clarinete surge como herói improvável e o final com as harmonizações dos sopros é nada menos do que perfeito.

There is a tide é uma aventura bem sucedida de um veterano do saxofone por território inexplorado na sua ilustre carreira, com riscos calculados e proveitos fabulosos para o ouvinte, surpreso com a variedade de ideias e as canções que trauteia como se as ouvisse na rádio a caminho do trabalho. Chris Potter é um músico completo e superior, que diante de circunstâncias inesperadas decidiu correr riscos. Com composições sólidas e a espaços sublimes e exuberantes, There is a tide é a prova acabada da sua inteligência e talento multi-instrumental, capaz de estender o jazz para além das suas habituais fronteiras.

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