O Teatro da Trindade resolveu sair de palco para comemorar os seus 150 anos, com Todo o Mundo é um Palco. Beatriz Batarda e Marco Martins saíram para a rua e trouxeram-na para o palco.
É de Lisboa que o espetáculo nos fala, desta nova Lisboa, com gente de tantos lugares, com tanto passado a querer tanto futuro, gente que se cruza e (des)encontra e (re)encontra em Lisboa, o lugar nenhum que é o seu… Várias nacionalidades, várias origens, vários credos.
Três atores em palco: Carolina Amaral, Miguel Borges e o também bailarino, Romeu Runa, que nos dá o corpo e a alma neste espetáculo. Dezassete não-atores: Aline Caldas, António Alberto Figueira, António Vasconcelos, Benmerja Abdelkader, Dewis Caldas, Heitham Khatib, Hélder Pina, Jean Bruno Massy, Jorge Pedrosa de Oliveira, Laure Cohen-Solal, Lucas Sadalla, Malena Camargo Caldas, Marco Pedrosa, Mick Mengucci, Moin Ahamed, Pascoal Silva, Safira Robens.
Da excelência da participação dos três em cena não falaremos tanto. É só o tanto no muito, o menos no tanto.
A Carolina é deliciosa no movimento, expressão e interpretação.
O Miguel é fantástico mesmo a “aprender a ficar parado”.
Não há como escrever sobre arte arrumando em gavetas admirações que o tempo adensa. A intensidade de Miguel Borges em cada palavra, por mais displicente que pareça, como se acabasse de chegar, casualmente, para tomar um café rápido, é perturbadora.
Não é menos verdade que os não-atores nos mostram que o palco é de todos. Que não há limites para criar, recriar e transpor limites.
Na peça há várias línguas, alemão e o francês as mais familiares, pares improváveis que falam e traduzem.
Há rostos cansados, joviais, feios, bonitos, reais… Há gente de verdade a falar do seu quotidiano, do seu percurso, ora em bicos de pés, ora de pescoço dobrado e corpo contorcido para chegar ao microfone.
Há danças e coreografias sui generis.
Há o vir para Lisboa por amor, para fugir, para trabalhar, para viver.
Há breakdance e os grandes feitos de quem domina a arte do io io com sotaque do Porto.
Há música de cada um e para cada um. Há Beatles e Nina Hagen.
Há até mesmo um bebé entretido no aparador, a dizer adeus a uma menina na primeira fila, ou a jogar ao espelho com atores e não-atores (ou que quer que sejam a não ser atores de corpo inteiro).
Não há fronteiras entre público e palco quando, desconcertantemente, os atores aplaudem o público com fervor.
Já fingiram de si mesmos alguma vez? Já? Em frente a uma sala cheia?
Já tiveram essa coragem neste frenesim de cidade, que parece desencorajar-nos de sermos quem somos, ao mesmo tempo que nos atira para a essência do que somos?
Parabéns ao Teatro da Trindade e a quem fez acontecer este espetáculo.
Não há nada mais bonito que trazer a verdade, por muito imperfeita que seja, às pessoas.
E, de pé, aplaudamo-nos, aos atores e não-atores, a Lisboa e ao palco da vida, enquanto ouvimos Aldous Harding cantar “Imagining My Man”…
O espectáculo mantém-se em cena até 10 de Dezembro.
Joana Neto, por defeito profissional, escreve de acordo com o novo desacordo ortográfico.
Foto © João Tuna
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