Fomos, uma vez mais, ao Teatro Nacional D. Maria II, desta feita para assistir à peça Última Hora e confirmámos o rigoroso cumprimento das regras de segurança a que este período conturbado nos obriga. Uma nota de satisfação por encontrarmos uma sala cheia, o que bem demonstra que o teatro continua vivo no coração dos espectadores portugueses e o medo generalizado da pandemia não os afasta da cultura.
Com a duração de 3 horas e 15 minutos, Última Hora transporta-nos à redacção do jornal homónimo e à vida dos seus colaboradores, focada na sobrevivência do jornal em guerra com a difícil captação de leitores em tempos de redes sociais e de notícias sensacionalistas. O tema não podia ser mais actual, nem abordado de forma mais engraçada e acutilante. O texto – brilhante! – é de Rui Cardoso Martins e a extraordinária encenação é de Gonçalo Amorim.
Na redacção do «Última Hora» encontramos precisamente o que desejaríamos ou esperaríamos encontrar: os deliciosos e competentes «velhos do Restelo», ciosos do seu profissionalismo, da ética e deontologia profissionais, sobejamente saudosos da verdadeira importância do que é ser jornalista, do espírito de missão e da veracidade do que se escreve. A estes acrescem os estagiários, os que nos devolvem a fé nesta geração e na evolução dos meios tecnológicos e os outros, que irremediavelmente acabam com as nossas esperanças de que qualquer valor sobreviva ao consumo rápido, pouco criterioso, desinformado e estupidificante das parangonas de certo tipo de jornalismo muito em voga.
A guerra é igualmente travada com a realidade dos números, com a Economia («porque tudo é Economia») e muitíssimo bem expressa no delicioso quadro electrónico que conta o número de «cliques» e de «likes», actual exponente máximo de qualquer publicação de sucesso.
A cenografia e figurinos de Catarina Barros são fantásticos. A transformação do palco numa verdadeiramente credível redacção merece especial destaque. O detalhe de um cubículo para fumadores é genial porque, para além de emprestar realismo à envolvência, permite momentos e movimentos de dinâmica assinaláveis. O vestuário é criterioso, tão adequado a cada uma das personagens que não imaginaríamos pudessem ser nenhum outro!
A riqueza desta peça, a nosso ver, reside primordialmente nos diálogos muito conseguidos, temperados com um humor e trocadilhos de português já adormecido, a utilização sábia da gíria jornalística (presente não só nas palavras mas no modo como se relacionam e apelidam entre si as personagens) e, indiscutivelmente, na presença de dois extraordinários actores: Miguel Guilherme e Maria Rueff. Irrepreensíveis. Ficámos fãs incondicionais dos quadros superiores da direcção editorial do «Última Hora», desta insuperável dupla, na presença e fisicalidade. Mas todo o elenco os acompanha de forma ímpar, contribuindo para a solidez do espectáculo.
Terminamos com uma imensa vontade de ir ao bar que aqueles jornalistas frequentam e partilhar com eles um copo de vinho e um croquete!
Ficha Técnica
texto Rui Cardoso Martins
encenação Gonçalo Amorim
com Catarina Couto Sousa, Cláudio Castro, Ema Marli, Inês Cóias, João Grosso, José Neves, Lúcia Maria, Manuel Coelho, Maria Rueff, Miguel Guilherme, Nadezhda Bocharova, Paula Mora e Pedro Moldão
música original Paulo Furtado aka The Legendary Tigerman
cenografia e figurinos Catarina Barros
desenho de luz Cárin Geada
desenho de som e sonoplastia João Neves
vídeo Eduardo Breda
assistência de encenação Eduardo Breda, Patrícia Gonçalves
assistência de cenografia e figurinos Susana Paixão
produção Teatro Nacional D. Maria II
parceria artística Teatro Experimental do Porto (TEP)
apoios Lusa – Agência de Notícias de Portugal, Público
M/12
Em cena até 15 de Novembro.
Foto © Filipe Ferreira
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