Em Vemo-nos ao Nascer do Dia, duas mulheres prendem-nos a atenção e seduzem-nos durante hora e meia de excepcional representação. Andreia Bento e Joana Bárcia estão de parabéns! Comovem-nos e enredam-nos numa história de amor trágica e bela, onde somos levados a acreditar que há um milagre que redime a perda, um espaço paralelo onde o amor subsiste e é permitido por apenas mais um dia.
Estas duas actrizes preenchem um palco nu apenas com a sua presença, com base num texto magnífico, actual, credível e, a espaços, ora vernáculo ora poético. O chão coberto de seixos e o nevoeiro que nada permite discernir, transportam o espectador para a beira do mar, talvez uma ilha deserta ou um temporário banco de areia à mercê das marés, no qual as duas amantes se regozijam com a sobrevivência a um naufrágio e primeiramente se debatem com a preocupação e o desejo de regressar a casa.
As reminiscências vão surgindo lentamente, confusas, entrecortadas com o que é, ou parece ser a realidade, até à percepção total da verdadeira dimensão do espaço em que se encontram.
A intriga é sabiamente alimentada, deixa-nos em dúvida na exacta medida do que é suposto um mistério suspender-se, até à revelação que nos comove e nos mantém suspensos, que nos aproxima ainda mais das duas personagens, do seu frio, do seu desconforto, da sua dor, do que foi, do que poderia ter sido, do que é a vida e no que a vida se transforma, da casa que partilharam, das rotinas diárias, os que ficam e os que partem, o que se deixa, o que se perde…
A encenação de Pedro Carraca é de uma sobriedade inteligente, cria espaço onde o espaço nos limita, cria mar onde só as pedras o fazem supor, e os seixos deixam ecoar os passos das duas amantes que se encontram e se afastam, se confrontam e se abraçam, na natural progressão entre o choque, a raiva, a negação e o milagre.
Só mais um dia, um momento, um abraço, uma fogueira que arde até que a luz ou o sopro se extingam. Vemo-nos ao Nascer do Dia, é sobretudo um magnífico momento a duas personagens, duas actrizes às quais, muito merecidamente, terminamos rendidos.
Em cena até 14 de Dezembro.
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