home Didascálias, TEATRO A Vertigem dos Animais Antes do Abate – Teatro da Politécnica, 14/10/2017

A Vertigem dos Animais Antes do Abate – Teatro da Politécnica, 14/10/2017

Milítsa: “Já te disse – não somos boas para nada – sempre inquietas, sempre vazias – suplicamos, queixamo-nos – não somos feitas para nada, só para o mal – fomos nós que destruímos o Paraíso.”

Dimítris Dimitriádis, A Vertigem dos Animais Antes do Abate

Dimítris Dimitriádis (n. 1944), o autor da A Vertigem dos Animais Antes do Abate, é um poeta e dramaturgo de Salónica, na Grécia. O texto, absolutamente desconcertante, é acompanhado por uma cenografia irrepreensível, envolvente, com apontamentos de cor, nomeadamente o vermelho vivo, a cor da paixão, do sangue, que evoca o prazer, a emoção e a morte, presença avassaladora em toda a representação.
Três personagens masculinas acompanham e relatam a história, lançando constantes dúvidas e inquietações. O terreno interdito é invadido e desvela-se diante de nós um rol quase inverosímil de infortúnio. Espera-nos incesto, sexo e toda a desgraça vaticinada pelo casamento, aqui como prenúncio de treva. Assim o anuncia Filon, interpretado por Américo Silva, o amigo de Nilos, o enamorado abocanhado pela serpente do amor que o une a Milítsa.
O veredito é arrasador para a família que virá, uma família cujo comando é a decadência, a ausência de moral, onde só o desejo comanda, sem freio, sem filtro.
Uma felicidade imensa, porém efémera, espera o casal, pois a tragédia abate-se sem trégua sobre o duo, afogando qualquer esperança de dias luminosos. Ao suicídio da filha mais velha apaixonada pelo pai e pelo irmão, segue-se o assassínio de Emílio, interpretado por André Loubet, e o suicídio do segundo filho, encarnado por Pedro Baptista, após envolvimento sexual e amoroso com a mãe.
É esta a desgraça que contemplamos. As palavras vomitadas por Américo Silva, numa sofreguidão desbragada sem quartel, sem alma, sem ligação ao texto, colocam-nos indagações. Ter-se-á a encenação de Jorge Silva Melo rendido de tal forma ao texto (que nos fustiga sem abraçar), que se esqueceu de (nos/se) emocionar? Como se o corpo, em louco frémito, não precisasse de alma, mesmo no desenlace negro adivinhado pela compulsão da carne, pela degenerescência do desejo.
O elenco (João Meireles, Inês Pereira, Américo Silva, Vânia Rodrigues, André Loubet, Pedro Baptista, Pedro Carraca, João Pedro Mamede e Nuno Gonçalo Rodrigues) entrega-se em palco, dá-nos o corpo, nu e cru. Faltou dar-nos a alma, que sucumbe, inerte, aos prazeres imanentes e ao peso de um texto brutal.

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Joana Neto, por defeito profissional, escreve de acordo com o novo desacordo ortográfico.

Foto © Jorge Gonçalves

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