Worst of, peça levada à cena pelo Teatro Praga no Teatro Nacional D. Maria II, faz um percurso pela dramaturgia portuguesa, do pior dela, claro. Uma certa ideia de crise do teatro parece ser o ponto de partida.
Atores bem nossos conhecidos, como São José Correia, Rogério Samora, Márcia Breia, acompanhados de Cláudia Jardim, Diogo Bento, Patrícia da Silva, Pedro Penim, Vítor Silva Costa, dividem-se entre o palco e um palco dentro do palco. E os espectadores/atores em palco, reagem, em cena, às peças a que assistem, no palco, dentro do palco. Confusos? Proposta tentadora essa: a de nos vermos também, enquanto espetadores, nos atores que assistem a outros atores.
De Bernardo Santareno, a Gil Vicente, passando por Stau Monteiro, Garrett ou André Brun. Do burlesco ao naturalista, uma janela de tempo evolui, aparentemente sem sair do lugar, como se condenada a enfadar-nos. Um público crítico, de atores, também eles a representar, reduz ao ridículo o velho teatro, ainda tão presente: todos os trejeitos, todo o fingimento na forma de representar, da cadência das palavras ditas, da previsibilidade do espaço cénico e fala-nos do esforço, do tédio que estão lá.
Uma das personagens/público parece condescender, encontrar uma esperança, uma salvação naquele emaranhado de técnica obsoleta. Como seria de esperar, o incauto é tratado com o descrédito que se atribui à boçalidade, com a displicência com que se acomoda a opinião do romântico “bonzinho”.
E rimos do que vemos, da caricatura do teatro que conhecemos. Rimos muito, pois. Até que as gargalhadas que dispensamos ao exagero, à caricatura do teatro de outrora que tantas vezes encheu o D. Maria II, brindada com entusiásticos aplausos, que se colocam sob a suspeita de um embuste, do ‘fica bem’, dão lugar à sensação de irredutível vazio. Depois das tais gargalhadas, perguntamo-nos se “merda”, “merdinha”, “merdoso”, repetidas até à exaustão, no culminar de diálogos non sense, são afinal a imagem, fétida, que nos querem dar do teatro de ontem, o de hoje quando não se liberta da cartilha de ontem. Será? Possivelmente. Ao que consta a ideia era mesmo essa. Assim confirmam, em entrevista, os protagonistas de Teatro Praga.
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Tanta esperança nas escolhas de um diretor artístico como Tiago Rodrigues, que gosta de mostrar (e bem!) que o teatro pode ser arejado e comprometido, e tamanha a desolação quando, chegados ao fim, não sabemos que fazer às gargalhadas que fomos largando. Era isso que pretendia o Teatro Praga? Tudo certo. Se era com desalento que nos queria deixar, se nos queria dar uma espécie do opulência do esterco, cumpriu-se o espetáculo. Certo é que saímos do Teatro D. Maria II mais esquecidos das gargalhadas que ocuparam uma grande parte da peça, do compromisso com dissecar insuficiências, fim tão revigorante, e mais focados nessa falta de esperança para a qual atiraram, ou assim o sentimos, o teatro português. Ainda assim, este antagonismo, a maledicência, o dito “escárnio e maldizer”, é também uma marca da nossa dramaturgia e é inatacável a interpretação dos atores, que recuperam as mais bafientas expressões e manifestações da mise en scène mais retrógrada. Apesar dos pesares, respeitando a tradição, resta-nos desejar “muita merda”, que é como quem diz: “muito boa sorte” ao Teatro Praga. Não deixem de ir ver. Se a indiferença não vos agarra os pés e a cabeça, então o teatro, mal ou bem, aconteceu e, neste caso, se bem entendemos, se for mal, ainda bem.
Foto ©Filipe Ferreira
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