home Didascálias, TEATRO Quem tem medo de Virginia Woolf? -TNSJ, 8/2/2025

Quem tem medo de Virginia Woolf? -TNSJ, 8/2/2025

Sacos de boxe. Um bar portátil. Um sofá móvel. Copos no chão. A definição de uma porta, a marcar a passagem dentro / fora. A cenografia de Nuno Carinhas dá-nos as coordenadas para uma longa madrugada de conflitos e embates, excessos, artificialismo, um jogo de máscaras que percorre os espaços de intimidade e de afastamento. A sala de estar configura-se como uma arena, onde a família, o sucesso, a ambição e a verdade vão estar permanentemente em jogo. Tocam os sinos para o primeiro round.
George, 46 anos, é professor de História numa universidade da Nova Inglaterra. Martha, 52, é filha do “presidente” da universidade. O casal chega a casa às duas da manhã de uma festa organizada pelo pai de Martha. Que pardieiro! “What a dump!” A mulher lembra-se desta fala de Bette Davis e quer que o marido lhe diga o nome do filme. Ele não sabe, está cansado. Quando George propõe uma última bebida, Martha anuncia que vão ter visitas: um jovem casal que estava na festa: Nick, professor do departamento de Biologia, e Honey, a sua mulher.
A peça estreou na Broadway, em 1962, envolta em grande polémica, afirmando Edward Albee como um dos maiores dramaturgos do século XX. Neste encenação de Simão do Vale Africano, Anabela Moreira e João Reis são Martha e George, um dos mais famosos casais dos palcos de todos os tempos. Daniel Silva e Joana Africano dão vida a Nick e Honey, “os convidadozinhos”, espelho distorcido do casal mais velho, que vai refletir a crueldade e violência de uma vida de desencanto, aparência e vã retórica.
À medida que o tempo passa e se somam as bebidas, os quatro caem num vórtice visceral de desilusão, traição, fracasso. O texto, devastador, acutilante, é também atravessado por muito humor.
Quem Tem Medo de Virginia Woolf? Um trocadilho dito na festa do pai de Martha é o mote para o grande desafio da peça: quem tem medo de sujeitar as suas estruturas ao sopro da verdade? Quem tem medo de perder os seus muros? Quem tem medo de viver sem falsas ilusões?
Nos anos 60, a peça denunciou de modo subversivo as instituições do “American dream”: a família, o casamento, o sucesso do self made man, revelando a aridez, esterilidade e corrupção do seu discurso. “Quando chegamos ao osso, ainda não chegámos ao fundo de tudo, ainda não. Há qualquer coisa dentro do osso… a medula… e é aí que devemos chegar.”
Em Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, Anabela Moreira e João Reis, de modo soberbo, envolvem-nos nos perigosos jogos retóricos de Martha e George, desferem-nos sucessivos murros no estômago e arrastam-nos numa espiral de violência verbal, física e psicológica. Mas também nos fazem rir, ao revelarem com tanta verdade os pequenos dramas e as crises do dia a dia dos casais. Daniel Silva e Joana Africano estão à altura desta batalha emocional. Nick parece assertivo, mas manipula, engana e seduz, para lidar com suas frustrações e medos. A aparentemente frágil Honey esconde uma profunda mentira e desilusão.
É que os pressupostos da peça, mais de 60 anos após a sua estreia, mantêm-se atuais: uma crítica profunda a uma sociedade estéril, estilhaçada, que vive de aparências, do sucesso pré-formatado, a todo custo, multiplicado por uma rede infinita de espelhos distorcidos. Verdade e ilusão. “Alguém sabe qual é a diferença, eh, meus amores?”

Ficha Técnica

Texto de Edward Albee
Encenação: Simão do Vale Africano
Cenografia: Nuno Carinhas
Figurinos: Bernardo Monteiro
Desenho de luz: Pedro Correia
Desenho de som e sonoplastia: Joel Azevedo
Música original: Daniel Martinho
Assistência de encenação: David Salvado
Direção de produção: Inês Simões Pereira
Confeção de figurinos: CLEM (Costuralogia)
Interpretação: João Reis, Anabela Moreira, Daniel Silva, Joana Africano
Produção Simão do Vale Africano com Subcutâneo ‒ Teatro Hialurónico; coprodução Centro Cultural de Belém, Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, Teatro Nacional São João

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