Fleur Jaeggy nasceu em 1940, em Zurique. Nos anos 60, conheceu escritores como Ingeborg Bachmann, Thomas Bernhard, Italo Calvino ou Joseph Brodsky. Em 1968, casou-se com o escritor e editor Roberto Calasso, fundador da Adelphi. Tem oito livros publicados, que lhe garantiram um lugar único no meio literário. Viagem no Proleterka é o segundo livro da autora publicado em Portugal, numa belíssima edição da Alfaguara.
“Conhecia pouco o meu pai. Durante umas férias da Páscoa, levou-me consigo num cruzeiro. O navio estava atracado em Veneza. Chamava-se Proleterka. Proletária.” (p.11) Veneza, Zara, Cnossos, Santorini, Rodes, Delos, Míconos, Delfos. Uma viagem à Grécia, ao coração da terra e do homem, símbolo do conhecimento e da luz. “«Du wirst diese Reise mit Deinem Vater nicht vergessen.»«Não esquecerás esta viagem com o teu pai.» A filha de Johannes não devia esquecer aquela viagem com o pai.”(p. 84) A bordo do Proleterka, navegamos no vazio e nas trevas. Vamos colecionando os destroços de vidas obstinadas, com urgência de fim. Entre os vivos e os mortos, os que nasceram e os que nunca chegaram a nascer, atravessa-se a dura linha da narrativa. “E sentimo-nos todos suicidas, suicidas falhados. O que fora sempre, ao longo de gerações, a nossa vocação.” (p. 66)
Não a esqueceria… Mas quem é a filha de Johannes? É aquela rapariga de 15 anos, perdida nas águas estagnadas, a evitar o pai e a entregar-se nos braços dos marinheiros, ou é a mulher do presente, ancorada tantos anos atrás? A narrativa tece-se no fino fio que atravessa o tempo e a memória, no precário equilíbrio entre a vida e a morte. “As crianças desinteressam-se dos pais quando são abandonadas. Não são sentimentais. São passionais e frias.” (p. 15). “E vão-se embora. Em direção a um mundo sombrio, fantástico e miserável.” (p. 16) “Como um exército de funâmbulos.” (p. 16)
Numa linguagem incorruptível, pura e fria como cristal, entramos numa viagem sem destino. A filha de Johannes não tem nome. É filha da mulher de Johannes. Orsola foi, durante a infância, a sua dona, a mãe da sua mãe, aquela que tinha sido a mulher de Johannes. Nesta encruzilhada relacional, a narradora procura, com desapego, a razão de ser. “Johannes, a pessoa que me é inverosimilmente desconhecida. O meu pai. Nenhuma intimidade. E, no entanto, um laço anterior às nossas existências.” (p. 19)
A prosa de Fleur Jaeggy é contida e surpreendente. Por baixo da fina camada textual, movem-se indizíveis rios gelados. Nenhuma verdade é encerrada. “O conhecimento é o único perdão, penso, que se pode alcançar.”(p. 25) A “Viagem no Proleterka” leva-nos nesse caminho. O destino está anunciado à partida. É movediço, inquieto, não convencional. Transitório e não definitivo. Travessia sem fim.
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