Há histórias que só poderiam acontecer na América do Sul. Há literatura que só poderia nascer nestas terras, onde o passado e o presente, o real e a ficção se abrem como uma encruzilhada ao leitor. Onde o tempo se dobra e multiplica. Onde as personagens se depuram até ao elemento: são fogo, vento, água. Mas são profundamente daquele lugar, daquele momento, corpóreas como rochas e fugazes como o mar. É o que sucede com este Não é um Rio.
Enero e Negro vão à pesca com o jovem Tilo, filho de Eusébio, regressando à ilha anos depois do acidente que lhes levou o amigo e o pai. Extraem destas águas o passado, como extraem uma raia, aliás, “a” raia, imponente e majestosa. Na ilha tudo se personifica até à individualidade. A floresta e o rio, anteriores ao homem, são as suas primeiras personagens.
A morte da raia pelos forasteiros, a tiro, é uma afronta aos nativos. A narrativa segue inquieta, pesada de sentidos, saturada como o ar denso que cai sobre os ilhéus. Mas a terra move-se devagar. No interior desta Argentina, pobre, estagnado, os homens reúnem-se para pescar, para jogar, para comer, para beber. Lutam, abusam das mulheres, matam.
Selva Almada nasceu em Entre Ríos, Argentina, em 1973. O seu romance de estreia, El viento que arrasa (2012), venceu o First Book Award no Festival Internacional do Livro de Edimburgo, em 2019. Ladrilleros (2013), o seu segundo romance, foi finalista do Prémio Tigre Juan (Espanha), e Raparigas Mortas (2014) foi finalista do Prémio Rodolfo Walsh, da Semana Negra de Gijón (Espanha), para a melhor obra de não ficção de género negro. Não é um Rio (2020) foi distinguido com o Prémio IILA-Letteratura 2023 (Itália) e foi finalista do IV Prémio Bienal de Romance Mario Vargas Llosa (2021). Em 2024, foi finalista do Prémio Booker Internacional.
A escritora é justamente considerada uma das vozes mais originais da nova literatura latino-americana. A denúncia de uma ruralidade permeada pela escassez, pela exploração e pela pobreza, em pleno século XXI, expõe o machismo que atravessa a sociedade, onde se morre ainda por se ser mulher.
A escrita de Almada acende o discurso, povoa-o de fantasmas e de pequenos milagres. Combate o fogo com fogo. Ninguém sai incólume desta ilha. Nem deste livro.
Mais Livros AQUI