O texto A Banda é de Chico Buarque. As ilustrações são de Nádia e Tiago Albuquerque. E este livro, uma boa surpresa, no meio de tantos que povoam as livrarias. É sempre bom quando, entre tantas supostas novidades editoriais, que de novo pouco trazem, nos surge algo verdadeiramente diferente, que de algum modo nos muda na forma como abordamos um livro enquanto coisa física, de ler e mexer.
Este é um livro de capa rija e cores intensas. Um laranja-vermelho que irá voltar a aparecer em diversas páginas, como uma chama.
É o primeiro volume da Coleção Afonso Cruz, que escolheu os textos que mais o inspiram e os deu para ilustrar por artistas portugueses.
Partindo da letra da música de Chico Buarque, desconstruída, lida lentamente, página a página há uma imagem que a (e nos) acompanha, num desfolhar que pede tempo, vagamente triste como se adivinha o fim da canção.
“Estava à toa na vida/o meu amor me chamou”.
As ilustrações quase exclusivamente geométricas, cortadas apenas pelas figuras humanas, de árvores ou de animais, evocam essa réstia de humanidade, esse andar meio desorientado a que o dia-a-dia inevitavelmente conduz, na sua cadência rápida.
Sente-se a solidão das rotinas desde a primeira página, apesar do chamamento do amor.
Chama para ver a banda passar, e, por um instante, há gente que se esquece das suas tristezas, para ouvir falar do amor. A música faz parar o homem de negócios, o “faroleiro”, a namorada sonhadora. E as imagens sucedem-se, numa certa aridez cromática e rigidez de traços que não deixa soltar e dançar completamente – há qualquer coisa de prisão nos nossos dias.
“A moça triste que vivia calada/sorriu”, a banda quase chega ao centro da intersecção das páginas, quer fugir pela lombada, há uma rosa triste que se abre. A ilusão criada pela música não é assim tão forte, o leitor sabe que todo este alvoroçar de corações é passageiro. Mas deixa-se ir, abana a anca, fecha os olhos, esquece tudo por um instante. É a banda que passa, sabe-se lá quando termina a música. O melhor será ouvir e aproveitar esse embalo doce.
A banda já está do lado de lá do livro quando um incêndio começa – mas a banda prossegue, como a vida, e um velho dança, esquecido das agruras. A feia julga-se bonita, a cidade veste-se festiva.
Mas a banda – a vida – segue o rumo doce em direção à Morte – tudo tomou o seu lugar depois que a banda passou.
Transitoriedade, resistência. O homem conhece o seu destino mas, por momentos, ignora-o, vive feliz, enamora-se. É mesmo assim que somos. Sabemos. Fechamos os olhos. Ouvimos a música. Sonhamos. Podemos tudo. Abrimos os olhos.
E no meio da nossa impotência, ficou a centelha de tudo termos podido enquanto a Banda passou.
Mais recensões/crítica literária AQUI.