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Entrevista: Filipa Fonseca Silva

Filipa Fonseca Silva nasceu no Barreiro em 1979. Iniciou a sua carreira literária em 2011 com «Os 30 – Nada é como Sonhámos», cuja versão inglesa fez com se tornasse a única autora portuguesa a atingir o Top 100 da Amazon. Desde então, publicou mais cinco romances, dois livros de humor e inúmeras crónicas, contos e ensaios. Alguns dos seus livros estão traduzidos em várias línguas e em adaptação para cinema. O trailer de «O Elevador» pode ser visto no final da entrevista. Gosta de escrever sobre pessoas comuns e criar histórias que captem o quotidiano contemporâneo, explorando ao mesmo tempo dilemas intemporais. Em Março de 2023 fundou o Clube das Mulheres Escritoras, uma plataforma de apoio mútuo entre autoras nacionais, que tem como objetivo promover e celebrar a Literatura Portuguesa escrita por mulheres.

Paulo Ribeiro da Silva: Hoje parece que uma escritora mulher não vale só por si, pela sua escrita. Parece que, para te projetares publicamente, ou tens uma posição sobre quase tudo, ou não podes simplesmente falar do que escreves. Sentes isso na tua carreira?
Filipa Fonseca Silva: Como as mulheres começam a ter mais espaço mediático, acaba por ser inevitável fazer as perguntas que até agora nunca foram feitas. Portanto, o pretexto pode ser o livro, mas é inevitável falar sobre essas questões, seja de género, sejam outras. E é bom finalmente haver essa abertura e as pessoas estarem interessadas no que temos a dizer. E enquanto temos uma voz (mas isso é a minha parte ativista de sempre), e acesso ao espaço público, devemos aproveitar para falar um pouco mais do que de nós próprias.

Era bom que mais gente que pensasse assim…
A vaidade é muito difícil de combater. E depois quando se tem acesso, as pessoas gostam de se galvanizar, de puxar dos seus pergaminhos. Eu quero sempre aproveitar as oportunidades que tenho para chegar a mais pessoase falar de temas importantes, não só nos meus livros, porque os leitores não sei quem são, mas quando estou numa entrevista ou perante uma audiência.

Ainda não sabes quem são os teus leitores, depois de tantos livros? São 8! Agora fiquei surpreso. Falo no sentido de perceber para quem é que estás a escrever: é algo que te ocupa quando estás a criar, se vais ferir susceptibilidades? O potencial leitor condiciona-te?
Não, não. Às vezes, como aconteceu com este último livro, o Admirável Mundo Verde (Suma das Letras, 2024), traz-me uma certa insegurança. Por exemplo, os meus livros anteriores, tirando os dois de não-ficção, são romances contemporâneos, e este último é uma distopia. Portanto, houve ali uma altura que eu pensei no risco: e se as pessoas que sempre me leram rejeitam isto? Mas nunca deixei de escrever por isso.

E o que é que te fez continuar?
Eu precisava muito de contar esta história, porque tem uma mensagem não só acerca do clima, do ponto em que estamos no planeta. Hoje parece que só há duas modalidades [de posturas diante da crise climática]: as pessoas que estão muito empenhadas e falam daquilo obsessivamente e o resto, que parecem avestruzes e pensam: isto é um problema gigante que não sei como resolver, portanto é melhor não pensar nisso e seguir com a minha vida.

A forma como o problema é apresentado é tão… total, que sentes-te culpado por abrir um bocado mais a torneira. É apresentado como uma forma de culpabilização, o que acaba por afastar as pessoas.
Ainda ontem estava a ver uma série muito gira, da Netflix, do Bill Gates. [O Que Nos Reserva O Futuro, 2024] Cada episódio é sobre tema que vai impactar o nosso futuro próximo. Um dos episódios era sobre o clima e falava-se precisamente disto. Há um tipo de ativismo – que acaba por ser uma das fações de que falo no meu livro – que assusta e afasta as pessoas. Apresenta o problema, mas não apresenta nenhuma solução. Vamos acabar com os combustíveis fósseis. Como é que o planeta vai funcionar? Os hospitais, a agricultura, o que vamos comer? A água, o saneamento, como é que tudo isso vai funcionar? Portanto, parar [tudo] já não é exequível. Então, vamos apresentar primeiro soluções. Este livro é um bocado provocador, no sentido em que…

Há um bocadinho de terrorismo misturado ali não é?
Há eco-terrorismo. E imaginar o que aconteceria se realmente parássemos tudo e implementássemos a sociedade totalmente verde que muitos preconizam. Mas ao mesmo tempo, não é um livro paternalista ou moralista. É um livro para o leitor tirar as suas conclusões. Não é panfletário. Pergunta antes: será que é preciso chegarmos a este ponto para tirarmos a cabeça da areia? Ou com diálogo, conseguimos chegar a algumas soluções que nos permitam continuar a viver bem? O problema, como dizia o Bill Gates, é que quando falamos deste problema, há um certo distanciamento, porque mesmo quando nos apresentam os números, não é impactante.

Percebe-se a descrença. Na nossa dimensão, não somos comparáveis com uma Coca-Cola, por exemplo, com milhares de empresas e marcas, e que optou por substituir o vidro por milhões de toneladas de plástico, na grande maioria impossível de reciclar. Aqui está um responsável monstruoso. E em que é poupar água nas descargas do meu autoclismo vai influir nisto?
Mas também nós, enquanto indivíduos e cidadãos, temos sempre uma responsabilidade, um dever nas nossas pequenas ações do dia a dia. Hoje vou de combóio em vez de ir de carro. Conscientemente, escolho demorar mais uma hora. É este nível de sacrifício que as pessoas têm que começar a pensar que se calhar vale a pena, para não chegarmos às “brigadas verdes” do livro. É como o cinto de segurança. Já existia, mas ninguém usava. Porquê? Porque não era obrigatório. Todos sabiam que morriam pessoas, mas só com multas é que começaram a usar. Será que é preciso obrigarem-nos a reciclar ou a deixar o carro, como se fôssemos crianças? Enquanto sociedade, temos a responsabilidade de procurar consensos que evitem extremismos. Este livro parte de uma premissa ambiental, mas acaba por ser também sobre a polarização da sociedade. O caso ambiental, pode transpor-se para problemas raciais, de género… Temos de sair deste paradigma do “nós ou eles”, uns contra os outros, branco ou preto. Enquanto humanos, sempre nos organizamos em comunidades. Nestas tem que haver regras, mas também diálogo, solidariedade e pontos de contacto, mesmo entre ideologias diferentes.

Estava a pensar no “nós ou eles” aplicado à literatura. Lembro-me da nossa última conversa, sobre a literatura boa e má. A erudita e considerada pela crítica e a “outra”, que é lida por muita gente que te segue o TikTok e que está a par das coisas e se interessa, e que até se torna ativista da literatura, que divulga e promove. Só que não convém que os livros ditos de “alta literatura” sejam misturados com esse tipo de divulgação, que é válida como qualquer outra. E a minha pergunta é: como te posicionas face a isto? Sentes-te parte desta “guerra” surda? Esta distinção faz sentido? E mais do que isso: sentes que isto interfere na forma como a tua obra é divulgada, nos convites e propostas que te chegam, no acesso aos eventos?
Já na Penguin, tive uma conversa com o editor e o pessoal da comunicação, porque eles iam juntar a comunicação da Suma [das Letras] com a Topseller, que tem um catálogo mais comercial. Será que faz sentido, não te estão meter numa gaveta? E eles disseram e bem: mas tu queres agradar as eruditos, guardiões da literatura, que só deixam entrar alguns no clube privado, ou queres vender livros e ser lida? Eu prefiro ter leitores, sinceramente. É para isso que se escreve, para chegar às pessoas. Eu prefiro chegar a mil pessoas do que a 5 ou 6 críticos literários, para ser convidada para o festival, que às vezes não têm a sala cheia, só para dizer que fui. Fica muito bem no currículo. Finalmente reconhecem o meu trabalho. Mas esses festivais têm que se modernizar e perceber que há vários géneros literários.

Festivais não, os programadores dos festivais. O festival é uma instituição, quem o programa é que tem responsabilidade pelo alinhamento. Isso é uma boa forma de manter os curadores anónimos. Quem programa aquilo todos os anos, há décadas, é sempre a mesma pessoa a fazer os mesmos convites…
Eu percebi algo enquanto lá estive, não no festival, mas nos bastidores, no hotel onde estavam todos os escritores: que eles já são quase uma família e já estavam a planear o próximo ano. E eu diria que acho que é importante acabar com essa ideia de que se é comercial não é bom. Pode ser comercial e excelente.

E mesmo que não seja “excelente”, é lido e chega às pessoas. Porque não é obrigatório que seja tudo “material Nobel”. Nem convém que seja, senão torna-se uma chatice… As pessoas também precisam de livros para descontrair.
Como nas séries e como na música, consumimos várias coisas.

Porque é que o mundo literário ainda é tão elitista? Pega-se num jornal e somos imediatamente acantonados. Os livros “fáceis” aparecem nas Máximas e afins, os “difíceis” nos jornais de letras. Mas porquê? Os outros livros que vendem deixam de ser válidos? Devia ser o contrário. Se vendem, algum valor têm, porque senão não eram lidos e comprados.
E até como jornalista: devia haver essa curiosidade de ler esse tal livro tão bestseller, para perceber porque é que as pessoas o leram.

Isso tem um nome: preconceito.
E depois as mulheres têm a “camada extra”: têm que se justificar. Se fazes aquele tipo de “telenovela”. É [literatura] light, é verbosa, inventam aqueles termos todos. Mas há outra lição, e isto foi-me dito por um editor. Eles recebem muitos livros, então é mais fácil falar sobre um livro que já foi falado internacionalmente.

Mas se o livro é mais fácil de ler, também será mais rápido acabá-lo. Nem por aí faz sentido.
Mas dá trabalho porque se tu fizeres uma crítica sobre um livro do Gonçalo M Tavares, João Tordo ou Afonso Cruz, só para falar dos bestsellers, que são convidados para todos festivais e toda a gente conhece, mesmo que só leias três ou quatro capítulos para teres uma noção da história, à partida o livro será bom, porque eles já estão validados. Agora, se leres a Filipa Fonseca Silva de quem nunca lestes nada, tens mesmo que ler o livro todo e avaliar. Porque quando são desconhecidos, tu já não pensas automaticamente que é bom. Mas se já ganharam prémios, alguém já te disse que eles são bons e não precisas de justificar e avalizar a qualidade.
Se algum colega teu crítico te pergunta porque disseste bem daquele livro [desconhecido], que para ele é uma porcaria, tu ficas mal porque arriscaste. É mais confortável falar do que já é consensual.

E ao mesmo tempo anula o leitor. O que ele pensa ou deixa de pensar é indiferente. Falava sobre isso com o Max Porter numa entrevista e ele deu o exemplo daquelas legendas dos quadros. Quando lês um autor desses [validados, premiados, consensuais] já tens a legenda ao lado do quadro dizer o que é, o que deves pensar e que aquilo é ótimo. E ele dizia: eu não quero ter a nota ao lado do meu quadro. Quero que as pessoas leiam aquilo pelo que é.
E depois logo decidem.

Justamente. Eu não concebo uma abordagem da literatura que não essa. Dizem que aquilo é arte. Quem lê é que supostamente dá (ou deveria dar) o valor. O que não invalida o trabalho do crítico. (Por mim falo.) Dá trabalho, tem que ser bem enquadrado e feito como deve ser. Não acho que deva desaparecer, nem acho que de repente se deva transformar numa espécie de conjunto de opiniões dos fãs. “Eu adoro porque isto é super divertido, um murro no estômago, ótimo e espetacular”. Mas porquê? Porquê é que achas isso? Neste questionamento, está o espaço da crítica.
Eu até acho que devia haver mais espaço para crítica literária e artística em geral. Tudo parece o Goodreads agora. Se é para ver estrelinhas não precisa de ir ali. Se querem ter leitores, têm que trazer valor extra.

Toda a gente já sabe que aquilo é uma opinião. O público ganha-se pela consistência no trabalho. Avancemos. Preocupações criativas quando escreves: o que te preocupa?
Eu preocupo-me com a mensagem que quero passar.

Tens uma mensagem consistente? Há algum elemento unificador que ligue o que escreves desde 2011, apesar dos estilos diferentes?
Não, não consigo identificar. Talvez seja mais fácil para uma pessoa de fora, para um crítico. (risos) Na altura [no começo do trabalho] quero escrever sobre um tema, como foi agora o ambiente, como no livro passado foi a sexualidade das mulheres mais velhas, o idadismo e a gentrificação da cidade, as pessoas descartadas pela sociedade a partir da reforma. E a partir daí eu construo a minha história.

Primeiro o tema e depois as personagens?
Nem sempre, mesmo quando me aparece primeiro a personagem, como no E Se Eu Morrer Amanhã (Suma das Letras, 2023). Foi uma história que me contaram de uma senhora com 84 anos que tinha brinquedos sexuais,. Quis saber mais. Será que é caso único ou há mais velhotas por este mundo fora que usam brinquedos sexuais, continuam a namorar e têm contas em aplicações de encontros? E descobri que há e tinha tema. A personagem “caiu-me no colo” e eu transformei-a na Helena. Depois percebi que nunca vi isto na literatura. Quando aparecem mulheres mais velhas como protagonistas, o que é raro, já é numa fase de tristeza. Ou estás a falar da solidão, ou estás a falar da demência… Nunca vês uma mulher de 80 anos como protagonista ativa. Então decidi: vou escrever esta personagem para alertar que a vida não acaba numa idade avançada e, embora possa ser mais raro, também há as pessoas que têm uma vida ativa nesta fase. E o resultado foram as centenas de mensagens que eu tenho recebido, de pessoas a dizer a minha avó também é assim, ouvi falar de uma senhora também assim… E é isso que faz valer a pena esta viagem.

E cada mensagem que recebeste é um livro lido também, não é? Quanto ao teu processo de escrita: como funciona? Como o enquadras no teu dia a dia?
Neste momento, a escrita é a minha principal ocupação, embora não única, porque não paga contas e os livros não vendem em Portugal. Mas é a atividade a que dedico mais tempo. O tempo que me é possível, precisamente porque sou mãe de duas crianças. Às vezes estou a escrever e está a fluir, mas são 5 da tarde e tenho que ir buscar os miúdos. E portanto, naquele dia já não escrevo mais. Depois chego da escola, lanches, banhos, o jantar, o supermercado. Depois quando finalmente estão na cama, são 9h30 da noite e eu só quero morrer no sofá, ou com um livro.
Escrevo quando posso, tento ter uma rotina. Quando estou a escrever um romance, tento escrever todos os dias, mesmo que seja só uma hora e meia ou duas. Fecho-me num quarto, sem telemóvel, só a escrever. Mas nem sempre é possível.

Sentes que isso é inevitável por seres mulher? Se fosses um homem, tinhas mais disponibilidade?
Sim, ainda hoje. Aliás, o último estudo que saiu da Fundação Francisco Manuel dos Santos diz que as mulheres continuam a ter quase 80% das responsabilidades da casa, da família, e mesmo as que não têm filhos, são cuidadoras dos pais. Estou a lembrar-me da Dulce Maria Cardoso. O último romance dela foi a Eliete em 2017. E ela deu a entender que queria uma sequela. Mas não conseguiu, porque a mãe adoeceu e ela é cuidadora da mãe. O romance está em banho-maria desde 2017. E não é que não haja homens que também são cuidadores dos pais ou dos filhos mas, efetivamente, ainda hoje as mulheres têm esse peso muito maior.
No Clube das Mulheres Escritoras, começámos a falar sobre bolsas, residências, como concorrer, ninguém sabia porque nenhuma tinha concorrido. E a maior parte dizia: eu ainda não concorri porque se ganhar eu não consigo ir. Eu não tenho vida para isso. Partilhamos estas coisas todas no nosso grupo WhatsApp. Quando há residências, concursos, “bora participar”. Mesmo sabendo que só há um vencedor, participamos todas e partilhamos essa informação. A última foi a residência na Fundação Eça de Queiroz, de um mês, e várias pessoas disseram que não podiam. As mulheres continuam a ter muito mais dificuldades. Chegamos mais tarde à literatura, só mais tarde é que nos foram abertas as portas, mas continuamos com este peso.

Chegam mais tarde na vida também, na idade. É muito raro ver jovens escritoras, como se vê muitas vezes nos homens,.
Aliás, basta ver quem ganha prémios [literários]. A única mulher portuguesa que ganhou um prémio relevante nos últimos foi a Gabriela Ruivo, com o prémio Leya. E no resto, não há muitas mulheres novas premiadas. Depois começam a ganhar mais tarde, quando já são idosas. Fiquei chocada quando li na biografia da Maria Teresa Horta que o primeiro prémio que ela recebeu foi o Prémio Máxima aos 72 anos. É o máximo a que podemos aspirar, um prémio instituído por uma revista feminina. (risos) Portanto, ainda estamos muito longe da paridade.

A Luísa Costa Gomes é outro bom exemplo. É capaz de ser o primeiro ano em que a vejo com o destaque merecido. Uma carreira impecável: peças incríveis, poesia, prosas, contos, agora biografia também, tudo de nível estratosférico. É portuguesa e mulher. Como se combate esta invisibilidade?
Faz-se o Clube das Mulheres Escritoras, que serve precisamente para divulgar e tentar fazer chegar às pessoas as obras de autoras portuguesas porque, de facto, nós não temos o mesmo espaço ainda. E tanto homens como mulheres sofrem do mesmo em Portugal: este provincianismo do que o que vem de lá de fora é que é bom. Mas ao mesmo tempo, também é sistémico… É mais fácil publicar. Já ouvi editores dizerem preferem editar estrangeiros porque eles “não chateiam”. Não telefonam a dizer que o livro não está na FNAC e já foi publicado há 15 dias. Não revêm provas, já vêm feitas.
Mas por outro lado [esse provincianismo] também tem muito a ver com os currículos escolares afastam completamente os jovens da leitura. Eu tenho um filho que está no 8º ano. O Tiago começou a ler muito cedo e lê muito. Lia muito. E desde o 6º ano deixou de ler. Mesmo quando eu digo que não há telemóvel, para ele o livro deixou de ser alternativa. Porquê? Porque ele está a criar uma aversão, por ser obrigado a ler livros na escola com que não se identifica, escritos há 70 anos ou mais. A minha filha acabou a semana passada de ler a Fada Oriana, e dava cabeçadas e perguntava porque tinha que ler aquilo? E disse à professora: eu li que a Sophia de Mello Breyner escreveu este livro porque quando foi mãe os livros infantis eram uma seca. Mas os livros dela também são uma seca! E eu disse: sim, mas nos anos 60 eram divertidos e inovadores. Isso é que os currículos deviam ter em conta: o que era muito giro e inovador para uma criança dos anos 60, não é para uma criança de 2024. Mas o meu filho ainda vai ler mais um livro dela. E nada de poesia, o melhor que a Sophia escreveu. Portanto, é normal que no subconsciente deles fique registado que os autores portugueses são intragáveis. Portanto, a culpa não é da tecnologia. A tecnologia sempre existiu, quando apareceu a televisão por exemplo.

Tu usas a tecnologia para levar as pessoas a ler e as pessoas respondem.
E as pessoas leem e falam dos livros. Os BookTokers estão a impulsionar os níveis de leitura na geração acima dos 20 anos, são eles os grandes promotores. É o segmento que mais cresce, graças precisamente ao TikTok e Instagram.

Hoje é banal vermos nos blurbs de todos os livros o rótulo “fenómeno tiktok”, por exemplo. E muitos miúdos nas livrarias interessados em livros, algo que não era habitual na nossa geração quando andávamos na escola.
E nas feiras do livro, com sacos cheios de livros.

Por isso não se entende como se pode continuar a culpar a tecnologia. Os miúdos estão a ler mas estão a ler o que querem, porque têm acesso à informação e já não é a escola que dita gostos, mas antes obrigações. Porquê? Porque eles estão a ler ainda a mesma “pastelada” que nós líamos na escola.
E é fácil colocar em diálogo textos contemporâneos com textos históricos, dramatizar um texto mesmo que seja em prosa.

Descomplicar. Eles querem a “papinha” feita. Não é necessariamente mau, mas há muitas maneiras de a fazer.
E depois, mesmo dentro dos clássicos, porque é que nós damos sempre as mesmas obras? Por exemplo O Crime do Padre Amaro… É muito mais interessante do que Os Maias. Porque são sempre os mesmo poemas dos mesmos poetas? “O Bairro Moderno”, a “Chuva Oblíqua”, “Autopsicografia”…

Porque são livros/textos incríveis, só que eu não estou a ver em 2024 um miúdo de 14 anos ler aquilo e dizer que lhe mudou a minha vida.
Também tem a ver com preconceito em relação a outros géneros literários. Porque não incluir policiais, erótico, aventuras gráficas, distopias… Alternativas, escolhas, desafios. Mas mudar é difícil. É mais prático repetir o que é dito há décadas, avaliar e testar o que já foi avaliado e testado. Mas as consequências estão à vista.

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