home Didascálias, TEATRO Festa de Aniversário – Teatro do Bairro, 21/03/25

Festa de Aniversário – Teatro do Bairro, 21/03/25

Aos apreciadores de mistério, que não temem enigmas nem se intimidam com paradoxos, o espectáculo Festa de Aniversário, em cena no Teatro do Bairro em Lisboa, é o programa de serão acertado!
Escrita no pós-guerra, no final dos anos 50, a peça de Harold Pinter inclui-se no repertório dramático do Teatro do Absurdo, movimento teatral com o qual partilha características e do qual fazem parte autores como Samuel Beckett, Eugène Ionesco e Jean Genet. No início, os espectadores são introduzidos num quotidiano aparentemente banal, corriqueiro, onde as personagens se movimentam de forma esquemática e repetitiva (algo ritual) e a comunicação parece trivial, quando não mesmo impossível. A ordem que rege esse modus operandi das personagens é subitamente interrompida por um factor externo – um acontecimento aludido ou o surgimento de uma nova personagem (ou mais) –, que ameaça a dinâmica previamente estabelecida. No final, assiste-se a uma repetição da situação original, mas sob uma nova variação: estamos perante um quotidiano “aparentemente” reconfigurado. Contudo, à semelhança de Sísifo, as personagens parecem condenadas a retomar rapidamente ao esquema inicial e a fixar-se nele.
De igual modo, em Festa de Aniversário somos recebidos numa “Guest House”, onde vive o casal Meg e Petey (Ana Nave e Adriano Luz) e o seu único hóspede Stanley (Graciano Dias). A normalidade vivida é interrompida pela chegada de dois novos hóspedes (João Barbosa e Cláudio da Silva), que vêm para atormentar Stanley. A partir daí a comédia adquire contornos sinistros.
Todo o enredo se reveste de ambivalência. A verdadeira identidade das personagens e os eventos que compõem a acção apresentam-se de forma enigmática, sem nunca serem realmente declarados. Tudo é deixado em aberto. (E ao mesmo tempo, tudo recorda O Processo de Kafka.)
No final, Petey e Meg repetem o diálogo inicial do 1º Acto: o jornal continua bom (pelo menos, não vem mal), mas agora os flocos acabaram e Stanley ainda não tomou o pequeno-almoço… E sabemos que não vai voltar a tomar. A temática central parece cristalizar-se na fala da personagem de Petey, proferida momentos antes do final da peça: “ Reaja, Stanley. Eles não têm nada que lhe dar ordens.” (*), como se a reflexão a guardar fosse a importância de saber reagir contra um mundo que, à força toda e sem dar justificações, nos quer oprimir.

Comentava Jorge Silva Melo, numa transcrição da Revista Nº8 dos Artistas Unidos de 2003, que a escrita de Harold Pinter era tão cuidadosamente detalhada que aos encenadores competia a simples tarefa de “seguir à letra, obedecer”. (**) Esta encenação de António Pires confirma-o. Em palco, a cenografia recria com rigor as indicações do autor: a porta de entrada e o vestíbulo, à direita; a cozinha com o postigo, à esquerda; as escadas, ao fundo, que levam ao quarto de Stanley no piso superior; e por fim, a mesa com cadeiras, onde as personagens deverão sentar-se, folhear o jornal e tomar o pequeno-almoço. O elenco de actores é bastante sólido, a representação é coesa e competente, contrabalançando bem os registos cómico e subtextual do diálogo pinteresco, expressos por jogos de pausas e silêncios e afirmações contraditórias e de duplo sentido (ou carregadas de sentido obscuro).

O espectáculo está em cena no Teatro do Bairro em Lisboa até ao dia 20 de Abril, e pode ser visto de quarta a sexta-feira às 21 horas e aos sábados e domingos às 18 horas. Às quintas-feiras, a récita tem legendagem em inglês.
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FICHA TÉCNICA

texto | Harold Pinter
tradução | Artur Ramos e Jaime Salazar Sampaio
encenação | António Pires
elenco | Adriano Luz, Ana Nave, Cláudio da Silva, Graciano Dias, João Barbosa e Vera Moura
cenário | Alexandre Oliveira
desenho de luz | Rui Seabra
desenho de som | Paulo Abelho
construção de cenário | Fábio Paulo
operação de luz | António Serrão
operação de som | Matheus de Alencar
direção de cena | Alexandre Jerónimo
assistência à direção de cena e operação de legendagem | Afonso Luz
estagiárias de guarda-roupa | Sol Piloto e Larissa Angeli
ilustração | Joana Villaverde
fotografia de cena e vídeo | Jaime Freitas
bilheteira | Sofia Estriga
direção de produção | Federica Fiasca
administração de produção | Ana Bordalo
comunicação | Maria João Moura
produtor | Alexandre Oliveira
produção | Ar de Filmes/Teatro do Bairro

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CITAÇÕES:

(*) Extraída do livro: Pinter, H. (2002). “Feliz Aniversário”. Em H. Pinter, Teatro I (A. Ramos, & J. Sampaio Salazar, Trads., pp. 35-108). Portugal: Relógio D’Água Editores. A fala da personagem PETEY surge concretamente na página 107 da peça.

(**) Extraída do artigo “À conversa sobre os problemas que nos põe o teatro de Harold Pinter”, publicado no site online dos Artistas Unidos. Consultado em: https://artistasunidos.pt/a-conversa-sobre-os-problemas-que-nos-poe-o-teatro-de-harold-pinter/

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