Felicidade e esperança são conceitos cheios e leves, sinónimos de completude, independentes mas conexos, inteiros e radiantes. O primeiro relaciona-se com a clarividência de um sucesso interior, ou exterior, com o espanto positivo, a harmonia, a sintonia, e com a concretização. O segundo conceito, a esperança, guia, ampara, orienta e ilumina um vislumbre para lá do que se vê. É este o ponto de partida para uma leitura que João Tordo tem a capacidade genial de reformular profundamente. As expectativas tornam-se sombrias e vão ganhando o peso da tragédia em cada um dos três atos da história. Imbuído na envolvente mitologia grega, Tordo traz ao texto uma significação cultural ritualística e ancestral, através da presença do destino e da fatalidade. Como é que a vida cai a partir do momento em que se conhece a felicidade? Procura-se a resposta em Felicidade, nome da trigémea que unifica o trinómio perfeito com as irmãs Esperança e Angélica, reforçando irrefutavelmente a simbologia clássica.
Felicidade é um livro sôfrego de emoções, dotado de uma criatividade estruturalmente inteligente, em que o leitor é surpreendido de uma forma ágil, percorrendo um caminho de indagação do sentido da vida. As energias utilizadas na narrativa são vitais, como a da sexualidade e a da presença constante da morte. Os fantasmas, alucinações e a disrupção da mente conseguem que a ficção transcenda o expectável. Se o que era para ser não foi, ou se reformula ou é trágico.
João Tordo acrescenta ainda estórias das guerras do mundo em mudança nos anos 70, e leva-nos a passear numa nova Lisboa emergente e instável, de uma época tão marcante como o Estado Novo, e que rebenta numa nova democracia. Os costumes são retratados num revivalismo saudoso, lembra-se o giz, os Beatles, os soldadinhos de chumbo e os filmes de Marlon Brando. Na capital existia ainda o restaurante panorâmico de Monsanto e os armazéns do Chiado antes do mítico incêndio de 1988…
A história é forte e fatídica, de um sofrimento e desespero que lhe conferem uma beleza peculiar. Há vazios nas personagens que permitem a deambulação. O enredo é tão bem desenhado, que quase parece simples, e justifica-se a fluidez da leitura por estar inquestionavelmente assente na arte de bem escrever.
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