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Entrevista com Susana Moreira Marques

Susana Moreira Marques é uma das melhores escritoras da actualidade. Com um estilo facilmente identificável, usa uma escrita híbrida e fragmentária para, ao mesmo tempo, fixar o quotidiano e as suas vozes e rotinas esquecidas e prolongar os tempos finitos de uma existência cada vez mais (inter)mediada, em que “pensamos por vislumbres”, como diz nesta entrevista, e pouco tempo resta entre os afazeres de uma mãe trabalhadora e criativa para formatos longos e floreados à la Knausgård.
Nesta entrevista longa e fascinante, a sua generosidade e dedicação ao seu labor transparecem e as respostas directas e despretensiosas são pistas preciosas para o que faz e para a sua mundividência objectiva e subjectiva.
As respostas foram editadas para propósitos de clareza e fluidez.

O que significa a escrita na tua vida?
Ao contrário do que dizem por regra os escritores, eu podia viver sem a escrita e ser feliz com isso. Mas precisaria sempre de ter um trabalho que me colocasse em contacto com a construção de um significado para o que vivemos e nos ultrapassa. A escrita tem tido esse papel de agarrar o dia, de instrumento para não deixar passar a vida. Cada vez mais me apercebo que, mesmo quando escrevo sobre o presente, escrevo como se o fizesse sobre algo que vai desaparecer.
Por um lado, o meu trabalho preocupa-se muito com isso: não deixar desaparecer a memória. Uma tentativa de fazer um certo tipo de história individual. Mesmo no meu segundo livro, sobre a maternidade [Quanto tempo tem um dia – Experiências de Maternidade, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em 2020], apercebi-me estava a escrever sobre o desaparecimento da minha experiência enquanto mãe e tentava criar uma memória futura. Havia uma preocupação com o que perdura, uma luta contra um desaparecimento. Contra o tempo.
Por outro lado, o desejo de escrever nasce do facto de ser leitora e de querer provocar em quem lê o mesmo que os livros provocaram em mim.

Ao ouvir-te, ocorre-me uma questão sobre o escritor. O que há de ego no que o escritor faz? Concretizando: o que quer o escritor (tu neste caso) deixar de si no que escreve? O que há de auto-estima no seu trabalho?
É verdade que o escritor tem que acreditar que tem algo para dizer. Essa questão é particularmente importante para mim, que trabalho neste género da não-ficção literária, em que muito do que faço vem da minha própria vida. Mesmo quando fazemos trabalho sobre os outros (como quando faço trabalho de campo, por exemplo), há uma honestidade em dizer porque estamos a olhar aquelas vidas. A Joan Didion fazia jornalismo literário e dizia que era mais honesto para o leitor que o jornalista dissesse porque estava a fazer aquela história do que escrevê-la simulando imparcialidade. De certa forma, mesmo quando escrevemos sobre os outros, ou histórias que nada têm a ver com a nossa vida, interessamo-nos por elas porque indirectamente têm a ver connosco. E incluires-te na equação é estares a ser honesto com o leitor. Quando escreves coisas declaradamente autobiográficas essa questão impõe-se. Queremos sempre deixar algo de nós, mas esse desejo é humano, mesmo das pessoas que não são escritoras.

A literatura é uma atividade privilegiada para isso. Fica para outras gerações. Não é propriamente um registo verbal ou uma conversa.
E por isso as pessoas contam histórias e escrevem só para a família. Depois, claro, o que deixamos de nós nos filhos, nos genes, as histórias e valores, o que fica de quem fomos. Na escrita autobiográfica, pergunto-me muitas vezes que interesse tem a vida da Susana Moreira Marques? Não tem interesse. Exploro a banalidade da minha vida: como mãe, mulher na cidade… Só faz sentido escrever sobre mim como um veículo para dizer qualquer coisa sobre todos, para que a minha história possa retratar a de outras mulheres. Quando leio a Annie Ernaux, por exemplo, nunca sinto que a escrita se trata de um exercício de ego. É um exercício de compreensão de algo colectivo através da vida dela. Em Os Anos, a partir de determinada fase do livro o “eu” desaparece, porque no fundo descreve a concretização de uma história colectiva. Por vezes, há uma grande confusão entre a escrita autobiográfica e a escrita confessional. Há literatura em que a escrita autobiográfica é confessional, traz histórias e vozes ausentes do espaço público. Livros que contam histórias de aborto ou violência sexual são uma forma de trazer esses tópicos para o espaço público. O mero relato ou confissão neste contexto tem algum valor, embora não me interesse a exposição ou a confissão no que faço. Voltando à Didion, ela escrevia tudo na primeira pessoa, mesmo quando não se referia a ela, usando o seu ponto de vista e misturando a sua história. Mas quando a lês, nunca sentes que a conheces. Fala muito sobre si mas nunca se expõe, é sempre um pouco misteriosa, algo que me agrada. Para se escrever no registo autobiográfico não tens que te expor completamente, ser despudorado. Esta ideia da comunicação é muito importante: se eu quiser escrever qualquer coisa só para terapia, essas coisas têm o seu lugar. Para mim não resulta. Escrevo sempre para o Outro. Não me interessa se é lido, mas no momento em que eu escrevo está a ser escrito para o outro, independentemente quem é esse outro, quando é que vai ser lido ou se será lido. A literatura é uma construção para a comunicação. Criar algo que vai ser lido para gerar diálogo e compreensão. É verdade que os escritores precisam de algum ego. Precisam de acreditar que têm alguma coisa para dizer. Agora, se precisas de ter um grande ego, não sei… Mesmo quando há esse sentido autobiográfico que é interessante, o que quero é que os leitores percebam que aquilo não é sobre a escritora, é sobre ti. É sobre nós. E esse é o trabalho da literatura. Conseguires ir buscar essas histórias das pessoas comuns, eu ou outros, para fazer o que a literatura sempre fez: olharmos para nós próprios, percebermos o que é importante nas nossas vidas. Pensarmos um bocadinho sobre nós. A escrita, o que é para mim? Eu acho que isso passa muito neste último livro, das notas. A escrita para mim é muito um sítio de reflexão, não de grandes ideias, mas de…paragem. De paragem da vida. Quando paras para registar qualquer coisa, também estás a parar a vida, para poderes olhar para ela e dizer “isto é o que está a acontecer, isto é o que eu estou a viver.” É a maneira que tu tens de fazer qualquer coisa no outro. É uma ação para o outro, em que queres provocar qualquer coisa na outra pessoa, independentemente do que seja: uma emoção, um pensamento, uma ação, algo que tenha a ver com essa paragem, esse momento em que a pessoa lê. Pode ser só um segundo, a seguir fecha o livro e já está. Venha outro. Mas fica lá ao mesmo tempo.

A forma fragmentária como escreves é muito 2024. Não é preciso estar à espera que acabe o parágrafo infinito para depois fechar o livro e voltar ao quotidiano.
Eu já estava a trabalhar nesse formato antes, de uma forma muito fragmentária, em que já tinha experimentado até esta ideia das notas, mas mesmo a primeira parte do meu primeiro livro chama-se “Notas de Viagem sobre a Morte”. Esta ideia de qualquer coisa que te acompanha na viagem, nos dias, mas não é bem um diário. E também ser “pouco escrita”, quase como um contacto mais directo com as coisas, em que essa enorme elaboração, que depois tem uma narrativa maior, está ausente. E depois, a sobreposição entre estes fragmentos que são mais do quotidiano, da minha vida pessoal, com fragmentos da memória, com coisas que eu leio, reflexões sobre o momento em que estou a viver, e em que as ligações entre as coisas só estão sugeridas. E isso interessa-me muito. Como criar essa ligação.

Uma conversa com quem lê.
Sim. E é uma conversa mesmo dentro do texto, que faz as ligações entre as pequenas partes. Elas vão-se completando, acumulando sentidos uns sobre os outros. Mas este género e este tipo de formato também aparece na minha vida, num momento em que as minhas filhas ainda eram pequenas. Não podia fazer grandes viagens, trabalhos de campo. Podia fazer isto em casa e permitia-me continuar a escrever. Corresponde também à natureza da minha própria vida, do meu próprio ritmo. E isso é bonito, gosto muito disso, porque a forma tem que ser significativa e também diz qualquer coisa sobre o conteúdo. A forma em si é conteúdo. Para mim é muito importante. O formato também é conteúdo, faz-te compreender qualquer coisa. Sei que também não sou a única pessoa que está a escrever desta maneira, mas esse diálogo com outros autores também é interessante.

Mas és uma pessoa relevante na forma como escolhes dizer as coisas, porque deixas espaço para quem lê. Se faz sentido para mim, que sou homem, imagino para uma mulher com uma vida similar à tua (ou não). À pergunta seguinte já foste respondendo: organizas a escrita em torno da vida ou o inverso?
É mais a escrita em torno da vida, não é? O ideal seria ser ao contrário, mas uma coisa é o ideal e outra coisa é o que conseguimos fazer. Os livros são sempre fruto das circunstâncias.

Em muitas biografias de escritores, há sempre aquele momento decisivo em que de repente as coisas se tornam claras e a pessoa vê o caminho. Tiveste algum momento desses, de “agora sei de certeza que é isto que eu quero fazer”?
Em relação à escolha pela escrita ou em relação ao livro?

À escolha pela escrita. Também podes falar do estilo, claro, encontrares a tua voz.
Se calhar está ligado. Olha, eu tive um percurso um bocadinho atribulado. Há bocado estava a dizer que devia ter feito outra coisa qualquer, desde que contasse histórias. Porque as histórias nos explicam e ajudam a fazer sentido das coisas e eu preciso disso. Mas a verdade é que comecei por fazer cinema. Eu trabalhava em cinema quando saí da faculdade e achei que queria fazer filmes e depois percebi que não.

Mas mesmo fazer cinema ou escrever guiões?
Fazer. Realizar. Eu era anotadora. Trabalhava nas equipas de rodagem e tinha esta ideia de que ia ser realizadora. Fiz um pequeno filme com uns amigos, um documentário. Era uma ideia muito boa, mas o resultado não foi muito bom. (gargalhada) Era muito novinha, muito inexperiente. Mas eu percebi que se calhar o cinema não ia ser o sítio onde eu podia dar o melhor de mim. Foi uma decisão difícil. Por isso, na verdade eu tentei fazer outra coisa e acabei por depois começar a escrever, porque sentia que era aquilo que me era mais próximo e podia fazer melhor. Ser relevante, algo em que sentisse que me cumpria e em que podia ser mais útil. Como tinha estudado jornalismo, comecei a escrever. Fiz bastante jornalismo cultural.

Então estudaste jornalismo e cinema?
Sim. Na Nova. Eram especializações do curso de Ciências da Comunicação e fiz ambas. Achei que seria um trabalho para, entretanto, escrever outras coisas, eventualmente ficção. E depois, toda essa passagem pelo jornalismo, comecei a fazer reportagem, trabalho de campo, ouvir as histórias das pessoas…

Eras correspondente?
Eu fiz várias coisas, mas sim, a dada altura fui para Londres e trabalhava como correspondente também. Fazia grandes reportagens, que era o que me interessava mais. Não fazia notícias.
Fazia sobretudo histórias que traziam pessoas comuns para os jornais e lhes davam voz. Com a minha passagem pelo cinema, pelo documentário, o cinema da realidade, acabei por perceber que o meu caminho seria usar essas histórias e esse material da realidade, porque adoro ouvir as pessoas contar histórias e trabalho de campo dá-me imenso prazer.
Comecei também a ler muitas coisas que não lia – Joan Didion e outra não-ficção – e percebi o quão artístico podia ser esse trabalho a partir do real. Como não precisas de ficcionar para fazer um trabalho artístico, nem para criar uma linguagem tua, nem para fazer literatura. Depois comecei a experimentar em textos mais curtos. E quando surgiu a oportunidade de escrever o Agora e na Hora da Nossa Morte [Tinta-da-China, 2012]

Como é que surgiu?
Surgiu porque entrevistei a Directora do Departamento de Saúde da Gulbenkian, que geria um serviço de cuidados paliativos domiciliários, dois projetos-piloto, um em Trás-Os-Montes e outro no Alentejo. Interessei-me por aquilo, perguntei-lhe se podia visitar e de repente surgiu daí. Eles tinham algum dinheiro para me apoiar e apresentei um projeto. Tive a sorte de ter esse apoio da Gulbenkian e foi maravilhoso. Mas eu achava que ia fazer uma coisa mais jornalística, apesar de já estar a experimentar em textos mais pequenos. Ainda não tinha encontrado o projeto que me permitisse amadurecer todas essas experiências que trabalhava em casa. As pessoas acham que o [primeiro] livro aparece do nada, mas os escritores passam muitos anos a escrever coisas que não são publicadas, até encontrarem a sua voz, o seu universo. Não é só uma questão de estilo. É algo mais profundo. Quando fiz esse livro, eu já andava há muito tempo à procura disso, e o livro deu-me o veículo para esta escrita mais fragmentária, híbrida, que acaba por ser poética, mas vem dessa investigação da realidade. E que tem as vozes das pessoas, algo que vinha do jornalismo. Grande parte do livro é em discurso direito…

As pessoas acham que o [primeiro] livro aparece do nada, mas os escritores passam muitos anos a escrever coisas que não são publicadas, até encontrarem a sua voz, o seu universo. Não é só uma questão de estilo. É algo mais profundo. Quando fiz esse livro [ Agora e na Hora da Nossa Morte], eu já andava há muito tempo à procura disso, e o livro deu-me o veículo para esta escrita mais fragmentária, híbrida, que acaba por ser poética, mas vem dessa investigação da realidade.

E é visual também. O cinema está lá. E tinha bastantes fotos.
A primeira edição tem, do André Cepeda. Na edição de bolso já não tem. É só o texto. Mas o que senti nesse livro…

O momento Eureka.
(gargalhada) Um bocadinho… Senti que tinha encontrado a minha forma. Apesar de o livro ter aquele tema específico do final de vida, do projeto de cuidados paliativos, no fundo os outros temas – o desaparecimento das aldeias, do estilo de vida, do abandono do território, as histórias das pessoas, as histórias do passado, as histórias antes do 25 de Abril – todos esses temas que depois me acompanham, estão lá de forma às vezes mais subtil. A minha família, uma primeira pessoa que está lá também, algo autobiográfico também…Nesse momento senti que tinha encontrado o meu universo e isso deu-me alguma confiança.
Podemos escrever e gostar de o fazer , mas enquanto não publicamos é difícil sentirmo-nos legitimados. Mesmo depois de publicado esse primeiro livro, precisei de umas sessões de terapia com a minha psicóloga, para eu chegar àquela coisa de eu sou escritora.

Porquê esse peso? É um bocado estranho.
Pois não. Não devia ter. Tenho um enorme respeito por este labor, quase reverência, e achava que para ser escritora, a escrita tinha que ser o centro da minha vida e nem sempre conseguia que fosse, tinha muitas outras coisas para fazer, tinha de ganhar dinheiro. Tinha pudor em assumir-me como escritora. Foi bom conseguir perceber que estamos sempre a escrever, mesmo quando não estamos a escrever. Se é aquilo que queremos fazer, tudo o que experiencias está ligado com o que depois vais escrever.

Tiras notas?
Tiro, tiro muitas notas. Ando sempre com um caderninho. Agora uso as notas do telemóvel, mas tento manter o caderninho, porque gosto muito de tirar notas à mão, para não perder esse contacto com o papel. Mesmo quando escrevo, alterno entre escrever à mão e depois o computador. Estou com ambos, tiro notas mesmo já com o computador.

Por vezes penso como era no tempo das máquinas de escrever. O labor de dactilografar, e depois rasurar, dactilografar novamente até à versão final. O tempo que esse processo demorava. Porque é que hoje não temos tempo, com tanta tecnologia ao nosso dispor?
É muito estranho. Mas era interessante esse trabalho da máquina. Era pesado. Muitos escritores nunca deixaram a máquina, mesmo depois dos computadores, porque os obrigava a uma reescrita completamente diferente. Escrever não é dactilografar, mas o exercício da dactilografar obriga-te a escrever. Tens de começar tudo outra vez para fazer as correções. Passar tudo à máquina. Obriga-te a uma ligação ao texto.

Podemos escrever e gostar de o fazer, mas enquanto não publicamos é difícil sentirmo-nos legitimados. Mesmo depois de publicado esse primeiro livro, precisei de umas sessões de terapia com a minha psicóloga, para eu chegar àquela coisa de eu sou escritora.

Como é que lidas com a necessidade de “cortar”?
Eu já sou uma escritora um bocadinho concisa. Faço logo no início.

Nunca sentiste vontade de escrever algo maior?
O Quanto Tempo Tem Um Dia tem um estilo diferente. Tentei estender a frase, a escrita. Estas formas fragmentadas adequam-se muito bem a este estilo de vida, em que parece que pensamos por vislumbres, em que a nossa vida é feita de pedaços de coisas que temos dificuldade em juntar. Somos pedaços. Acho que a nossa vida moderna é muito isso. Somos feitos de pedaços de coisas. Nessa vida da maternidade, de nunca teres tempo, és constantemente interrompido. E ser interrompido, enquanto gesto, é muito oposto ao gesto da escrita, que é aquilo que nós dizíamos: um pensamento que está sempre a acontecer, no papel, fora do papel. Precisa desse tempo muito longo, dessa continuidade. E eu queria forçar isso, tornar esses momentos, esses pedaços…

Prolongá-los. No estilo e na realidade.
Exato. Esses pedaços que se escapam. Estás a dar de mamar e depois a criança faz algo, depois vais para a escola e depois…já passou. Depois já tem cinco anos, já é outra coisa…

Escreveste durante aquele período.
A minha filha mais nova tinha um ano. Eu já tinha pensado nisso quando nasceu a mais velha. Depois, por vários razões pessoais, não foi possível. Quando ela era pequenina em que eu não consegui escrever muito. E depois quando tive a segunda…

Também é preciso ter alguém perto que perceba o que é escrever, não é?
Não é fácil. É preciso ter apoio. E quando ela era pequenina eu fiquei sozinha uns tempos com ela. Separei-me do pai dela. Portanto, a minha segunda filha é filha de outro pai. E era muito complicado em termos práticos para escrever.

Tinha pudor em assumir-me como escritora. Foi bom conseguir perceber que estamos sempre a escrever, mesmo quando não estamos a escrever. Se é aquilo que queremos fazer, tudo o que experiencias está ligado com o que depois vais escrever.

E emocionais também, provavelmente…
Emocionais, se calhar, sim. Também. É preciso uma disponibilidade mental. E depois quando nasceu a segunda e comecei a passar por tudo novamente, apercebi-me do quanto eu não me lembrava em relação à primeira e senti que era importante, apesar de eu falar muito da minha filha mais velha também. Achei interessante escrever nesse momento porque dei-me conta que a maior parte dos livros sobre a maternidade eram só sobre o início: o parto, o nascimento, os primeiros meses. E, de repente, ter outra filha dava-me uma perspectiva completamente diferente: o crescimento, a educação, a memória que elas têm ou não têm, o que vivem, o que estás a construir para elas, as pessoas que elas vão ser. Houve essa tentativa pela forma de espelhar esse meu desejo de prolongar aqueles dias, de prolongar aquele tempo e prolongá-los era também torná-los significativos. Dizer isto importa. Estes momentos que eu estou aqui a viver com elas, senão é algo que vai desaparecer e ninguém vai ligar nada a isto, nem elas. E dar importância a esse trabalho, essa vivência, essa vida que tu estás a dar. É a tua vida que estás a dar, o teu tempo. No entanto, sinto que consigo ir mais longe numa história, num tema, quando escrevo menos. Esse exercício para por um lado é-me natural e por outro deixa um certo espaço. É sempre este exercício do que fica.

Mas também é jornalismo. Os jornalistas cingem-se aos factos.
Olha, eu nunca tinha pensado nisso, não sei.

No jornalismo em sentido estrito não podes ser pessoal, emocional, senão és parcial…
É um exercício de contenção, no sentido de escolher aquilo que vai ter significado, mesmo que às vezes sejam coisas muito banais. Sinto que esse esse olhar é um olhar também profundo sobre a realidade. Se calhar tão profundo quanto aquele olhar expansivo de Knausgård, com várias páginas para descrever o momento. No fundo, não são exercícios diferentes, são maneiras diferentes de chegar lá. Agora, não sei se vou fazer coisas maiores… Às vezes tenho medo de aborrecer os leitores. (gargalhada)

Em relação ao teu método de trabalho: quando escreves já tens um objetivo final, ou vais criando e depois encontras um tema comum? Ou seja, quando começas a escrever já tens um objetivo, ou vais criando os fragmentos e depois esperas por algo unificador?
É um bocado as duas coisas. Às vezes, por exemplo, com estes textos [do Terceiro andar sem elevador – Notas de Lisboa editado pela Companhia das Letras em 2024] tinha uma ideia que podia servir de tema, mas não estava a escrever sobre temas muito concretos.

Esta organização por temas é tua ou da editora?
É minha. Eu vou explicar-te o processo. Comecei a fazer estes textos para a Mensagem de Lisboa, que me desafiou a ter um espaço de crónica, com toda a liberdade, desde que tivesse a ver com Lisboa.

Mas não tem muito…
Enganei-os bem, não foi? Enganei-os bem. (gargalhada)

Não vi Lisboa lá pelo meio. Na crítica AQUI até tinha escrito que Lisboa fica completamente desconhecida. Foi um bom pretexto. (risos)
Como te disse, já vinha experimentando este tipo de textos antes, e era uma coisa que estava muito presente para mim. Percebi que não ia fazer uma crónica convencional. E queria experimentar isto. São mais, se quiseres, ensaios muito curtos e pessoais do que propriamente crónica, no sentido mais tradicional. E então criei este formato. Quando publiquei, os textos tinham sempre um título, E depois um subtítulo, que era sempre Notas de Lisboa sobre… Fiz isso durante um tempo com alguma regularidade…

Estas formas fragmentadas [notas] adequam-se muito bem a este estilo de vida, em que parece que pensamos por vislumbres, em que a nossa vida é feita de pedaços de coisas que temos dificuldade em juntar.

A altura em que abraçaste este trabalho teve alguma coisa a ver com a pandemia ou nem por isso? .
Sim. Percebe-se, não percebe?

Sim. É um registo mais interior que transparece.
É bonito dizeres isto. Acho que ainda ninguém me perguntou isso. Isto foi muito escrito nesse período, porque a Mensagem começou mesmo antes da pandemia. Mas eu não quis falar diretamente sobre a pandemia. Vou escrever mais diretamente sobre a pandemia noutra altura e fiz outras coisas como jornalista sobre esse assunto. Foi importante para mim. Mas senti uma necessidade muito grande de olhar para a minha vida para lá da pandemia e estes textos vêm muito desse desejo. Têm muitas memórias, muitas coisas do quotidiano possível, que talvez não seja um quotidiano tão diferente daquele que é o meu quotidiano enquanto mãe, com duas crianças, em que passo muito tempo em casa, com rotinas muito limitadas ao meu bairro. E em que eu viajo pouco e só tenho as memórias do que vivi antes e uma ideia do que vou viver depois.

Sem querer deixas transparecer que estás constrita ali.
Volto à ideia anterior: o que é que fica. É quase esta ideia de que estava a escrever contra uma transformação da vida. Contra a pandemia. Acreditando que aquilo era temporário.
Porque aquilo que seria a nossa vida, aquilo que seria importante, era aquilo que nós sabíamos que era.

Estavas, no fundo, a tentar manter vivo o que era importante num período difícil.
Sim. Aquilo que no fundo define as nossas vidas: os pensamentos sobre as pequenas coisas, as relações, o contacto com os nossos vizinhos, com a nossa família. A memória que ganhamos. A ideia da vida na cidade, de estarmos fechados nela. Não queria referir a pandemia. Mas claro que muitas das coisas daí derivadas me influenciaram: a ideia de que estávamos fechados na cidade, fechados em casa, temas muito presentes nesta época. Mas é bonito dizeres disso, porque de facto foi muito importante. Nessa altura estava a escrever crónicas para um jornal e não queria fazer absolutamente nada que comentasse o que estava a acontecer. Queria abolir notícias. Nesse aspecto, era quase uma anti-crónica, contra a espuma dos dias. Escrevi com alguma regularidade até sentir que precisava de fazer outras coisas.

E acaba por ter um pouco de montagem também, como no cinema. Os pedaços que organizas como queres para dizer algo…
E que posso mudar de sítio para ver como resultam. Depois, a partir de certa altura quando já tinha muitos textos, senti uma unidade muito grande entre eles que me permitia fazer algo. Já fiz outras séries para jornais que nunca publiquei em livro. Rescrevi muitos dos textos, que na altura, por causa dos “deadlines”, não tinham tido um cuidado que eu achava que eles precisavam e escrevi mais alguns inéditos. E o trabalho que eu fiz com a minha editora que foi absolutamente essencial. Até porque eu nunca tinha feito uma coleção deste género. É uma pessoa extremamente experiente e uma editora fantástica, que me faz sentir muito acompanhada. A escrita é uma coisa muito solitária e isso é muito importante. E ela ajudou muito a ter esse olhar de fora na selecção do que seria mais interessante.

É confortável para ti esse espaço para alguém exterior “mexer” no teu trabalho?
Sim, absolutamente. Para mim é muito importante. É isso que eu acho que qualquer escritor quer. Alguém ler-te e dizer-te o que fica melhor. Às vezes num nível mais “macro”, outras mais “micro”, das próprias frases, pequenas sugestões que melhoram o contexto. Porque um texto tem sempre um trabalho de equipa. E para além da Madalena Alfaia, que fez a edição, tive uma revisora excepcional, a Cristina, muito minuciosa. A revisora vê coisas que tu não vês. Claro que há coisas que podes não estar de acordo ou não são muito o teu estilo. Mas são sugestões preciosas que melhoram muito o teu trabalho. E esse olhar de fora também te faz perceber aquilo o que há pouco falavas, como sabes o que cortar. Eu tento ter clareza em relação ao meu trabalho, mas é impossível. E essa clareza muitas vezes é mais fácil por alguém que está por fora… E às vezes ao contrário, aprovar. A Madalena ajudou muito a encontrar a ordem, porque percebi que era importante para o ritmo dos textos e a ligação entre eles. Por exemplo, posso dizer que tinha pensado num texto de abertura que não era este. E que, graças à Madalena, acabei por mudar para o texto publicado e o livro ficou muito melhor. Mas todos os meus livros são assim. Há uma altura em que tens um grosso e percebes que falta algo no início, no final, dás conta que podes estar a repetir uma coisa que já disseste…

E quando é que sabes que terminaste? Tem que ser alguém a dizer-te ou tu tens essa disciplina de identificar a obra concluída? Esse momento existe ou nunca chega a acontecer?
É um misto. Às vezes alguém de fora e um “deadline”. Outras vezes, a dificuldade é abandonarmos o livro. Deixá-lo ir. Isso não é fácil e podes ficar a reescrever eternamente. Mas há um momento em que sentes que esgotaste ali algo (com este [Terceiro Andar] não foi bem assim porque era um conjunto de textos) e continuares não vai melhorar. Mas não respondi à tua pergunta das notas. Às vezes tinha uma ideia para escrever sobre algo e no final era sobre outra coisa, conforme começamos com os fragmentos.

Então tinhas sempre o “final”, ou seja, o tema.
Às vezes tinha um tema e depois começava a escrever os fragmentos e percebia que afinal não era bem aquele, era algo paralelo. Outras vezes começo a escrever e percebo que aquilo não funciona e vou à procura de outra coisa. Outras vezes começo por qualquer coisa que eu vi e o que quero escrever vai mudar o tema. Mas também me acontece muitas vezes escrever notas avulso, que não sei para que servem e percebo mais tarde que era algo em que já estava a pensar e depois começo a trabalhar aquele tema e lembro-me delas. É um movimento sempre duplo, ir e vir.

Esta talvez seja algo cliché, mas cá vai: ainda faz sentido distinguir a literatura de autoras femininas e dos autores masculinos? Até que ponto acaba por ser perniciosa essa distinção?
É uma questão muito importante. As mulheres têm que ter visibilidade hoje em dia porque não tiveram durante décadas. É importante dar esse espaço e que toda a gente que está envolvida neste processo tenha essa consciência: os editores pensarem porque editam menos livros de mulheres, os críticos porque fazem mais críticas de livros de homens…Ou seja, termos a consciência de é um movimento importante que não existiu durante demasiado tempo. Dito isto, esta visibilidade não pode existir para criar uma ideia de que esta literatura é uma coisa à parte da Literatura. Esta visibilidade só pode existir para dizer estas mulheres fazem parte da literatura toda, com L grande.

Achei interessante escrever nesse momento porque dei-me conta que a maior parte dos livros sobre a maternidade era só sobre o início: o parto, o nascimento, os primeiros meses.(…) Houve essa tentativa pela forma de espelhar esse meu desejo de prolongar aqueles dias, de prolongar aquele tempo e prolongá-los era também torná-los significativos.(…) É a tua vida que estás a dar, o teu tempo. 

E têm valor por si.
E têm valor por si, porque nenhuma mulher quer estar a escrever para ser posta na prateleira das mulheres.

Pois, mas ouve-se muito o discurso ativista e depois lemos os livros e não são bons. Sente-se que “passaram” e foram editados por estar na moda fazê-lo. E há autoras valorosas prejudicadas com isso.
As coisas não são perfeitas, não é? E é natural nestes movimentos isso acontecer. Não é uma ciência exata. Talvez nem todos tenham tanta qualidade, mas também nos podemos perguntar: será que tantos livros publicados de homens nas últimas décadas também tinham qualidade? Ou eram publicados porque era o amigo que ia comigo fumar os charutos, não é? Depois há outra questão importante. É natural que apareçam novas vozes, com algo diferente para dizer. Há uma tentativa, no caso específico das mulheres (eu incluída), de trazer para a literatura histórias que estavam ausentes daquilo que era considerado a “grande literatura”, por exemplo, a maternidade, a vida doméstica, etc. e as mulheres ajudaram a fazer esse movimento. Hoje em dia, a vida doméstica já não está ausente da grande literatura, nem sequer da escrita pelos homens. Esses movimentos são importantes, mas eu acho que o facto de haver ausência dessas histórias, cria esse tipo de ideia de as mulheres só escrevem sobre “coisas de mulheres”, mas não é necessariamente assim. Daí a necessidade de trazer essas histórias.
Como há pouco dizíamos a propósito da literatura confessional, há muitos motivos para publicar livros que não são Literatura. E há espaço para esses livros, que são histórias de vida, que têm o seu mercado importante. Mas quando estamos a falar de um trabalho literário e de autoras que têm uma voz importante, estamos a falar de pessoas que pegam nessas histórias que estavam por contar e que as trabalham literariamente de uma maneira muito interessante, se calhar muito inovadora até, procurando formas novas para essas coisas novas que estão a dizer. E que até mudam a literatura nesse sentido porque são totalmente inovadoras. Como Annie Ernaux é inovadora. Como a Joan Didion foi inovadora. Como a Anne Carson é inovadora. Mas isso não é para depois dizer, «ah, aquelas que escrevem umas coisas de mulheres». Isso para mim, é ser colocada num gueto. Porque o que pode ser relevante é esse contributo desencadear conversas sobre temas antes ausentes.
No meu caso, encontrei um espaço para escrever. Não é porque tivesse uma agenda de escrever sobre mulheres, é porque é a minha vida. E nós escrevemos sobre aquilo que nos preocupa. Como dizia o Dostoievski, escreve sobre a tua aldeia. Aquilo que conheces melhor. E é a interrogação. A escrita vem da interrogação sobre o teu mundo. Porque é isso que queres compreender e dar sentido. As coisas que eu vou escrevendo vêm dessas perguntas, inquietações. E é assim que os livros nascem.

Qual é o livro que mais te custou de escrever e porquê?
Foi o segundo [Quanto tempo tem um dia]. Não foi o livro em si. O que me custou foi fazer um segundo livro. Toda a gente pensa em tentar igualar [o primeiro]. É a célebre maldição do segundo livro. Eu fiquei muitos anos sem escrever, e foi um livro que passou despercebido. Claro com o primeiro, como falávamos há pouco, encontras o teu registo, é importante por isso. Define-te muito, depois de anos a experimentar, encontras-te ali. A partir do momento em que és publicado, muda a relação com a escrita porque sabes que vai ser publicado. Começas a estar mais consciente do teu trabalho e durante um tempo foi difícil lidar com isso.

Fizeste o contrário do que normalmente se supõe sobre a obra de um escritor. Há a ideia de que o primeiro livro é o livro pessoal, em que tem algo para “vomitar” cá para fora e arrumar para depois tornar a coisa mais abstrata. E tu foi um bocado ao contrário. Começaste pelo abstrato e depois passaste para o pessoal.
(gargalhadas) Pois foi.

Quando soubeste que tinhas conseguido vingar como escritora?
Ui, isso ainda não sei. (risos)

Não acredito…
Depende do queres dizer com vingar. Há duas maneiras de ver isso. Uma mais prosaica: se consigo viver enquanto escritora, não é? Não é fácil. E neste momento eu vivo de escrever. Não vivo para os livros. Consigo começar a viver de escrever. Tenho os livros, tenho encomendas e as coisas à volta dos livros: as conferências, as conversas, as participações públicas.

Pagam-te para fazer as conferências e eventos públicos ou ainda continua o costumeiro apelo à boa vontade tão português?
Muitas pessoas continuam a pedir para fazer de graça. E é óbvio que às vezes faz sentido. Por exemplo: as livrarias independentes e pequenas eventos que seriam impossíveis de outra maneira. Mas já há uma consciência muito grande, sobretudo das organizações públicas (e esperemos que isto não mude), de que esse trabalho deve ser pago. E hoje em dia, já é muito raro vir de um organismo público um convite para um evento público sem pagar. Porque tu não vais só falar uma hora. Vais sair da tua casa…

Há um antes e depois também.
Há um antes e depois. Se vais para fora de Lisboa, vais num dia, tens de voltar no outro, portanto são dois dias de trabalho, em que não estás a ganhar dinheiro. Tens que organizar a tua vida familiar, “babysiters”, e depois para além disso tens que preparar o que vais dizer. Mesmo que vás falar só do teu livro, são as tuas ideias, é um pensamento que vem de um trabalho prático que tu vais fazendo ao longo de anos e é isso que se está a partilhar. Mais a tua investigação. Por exemplo, quando eu vou falar do Lenços pretos, chapéus de palha e brincos de ouro [Companhia das Letras, 2023], falo do trabalho de anos que fiz, por exemplo, com a Marta Pessoa com quem fiz Um Nome Para O Que Sou (2022). Portanto isso deve ser pago, é uma questão de princípio. Mas quando tu perguntas o “vingar”, não é só uma questão prática e financeira, mas…

Quando é que sentiste que te podias considerar escritora?
É a sensação de [me] cumprir, porque eu já me vinha a cumprir sendo escritora. Nesse sentido, não sinto ainda que vinguei. Sinto que o meu melhor trabalho ainda está por fazer.

Tens ídolos? Quais e porquê? Já falaste de alguns…
Ídolos, não sei se será a palavra, Sim, tenho muitas pessoas que admiro. Algumas pessoas influenciaram-me. Joan Didion foi uma delas.

A propósito e bem na ordem do dia: a separação entre persona artística e pessoa real. Consegues fazer isso? É possível fazer isso? Falo das pessoas que admiras não de ti. Se a partir do momento em que se descobre algo pior, isso diminui a tua admiração.
Confesso que tenho dificuldade em conciliar. Embora ache que é possível em determinados tipos de trabalho artístico, com uma tal profundidade e capacidade de comunicação que supera a pessoa que a escreveu. Para mim, as melhores coisas que escrevi são aquelas em que senti que não tinha importância nenhuma. Que o que estava a escrever era muito mais importante do que eu. Foram momentos raros. Ou seja, há trabalhos artísticos que são de um poder tão grande que estão para lá do autor. Impõem-se ao autor.

A tua internacionalização. Como é que aconteceu essa transição?
Foi um acaso, uma sorte. É muito difícil… Na literatura, como na maior parte das artes, tudo está dependente de questões geopolíticas e do poder económico e político das culturas e dos países. O americano publica um livro e vende para 30 países. O inglês e a cultura americana geram interesse, pelo poder que tem no Mundo. Assim com os ingleses, franceses, alemães… Porque são culturas que as pessoas relacionam com outras coisas, que já têm outra tradição. Depois para os países mais pequenos com línguas que são mais minoritárias, é mais difícil porque culturalmente esses países não têm uma presença, Depois há a questão mais económica: [há] línguas e países mais pequenos que entendem isso como um “soft power” importante. Há toda uma política da língua, financiamento para tradução, para levar autores fora, e que aí fazem uma espécie de campanha da língua. Por exemplo, a Catalunha. A Catalunha é impressionante. Se tu pensares no tamanho da Catalunha e a quantidade de traduções que eles conseguem, por exemplo, para inglês… Eu tinha esperança que o facto de Portugal estar na moda trouxesse mais interesse também, porque as coisas depois estão todas ligadas.

Saiu na Granta um excerto de um livro teu…
Sim, do Agora e na hora. Tive a sorte de ser publicada por uma editora pequena, independente, que queria precisamente trazer mais tradução para o mercado do Reino Unido e depois publicou também nos Estados Unidos.

Para além da escrita o que te preenche mais? O que é que faz a vida valer a pena?
Se calhar são tantos dos momentos que estão na minha escrita: o tempo com as minhas filhas, vê-las crescer, com a minha família, as histórias dos meus pais, estar com os amigos.

Qual é a pergunta a que gostarias de responder, mas nunca te perguntaram?
Gostava que me perguntassem mais sobre o processo de escrita. Adoro o “shop talk”, e como os livros de não-ficção literária normalmente têm temas, as questões ficam muito presas a isso. Por exemplo, quando faço eventos, fazem muitas perguntas sobre o tema, até mais activistas, e isso acontece mais com os escritores de não ficção, em que [o processo] parece secundário. Percebes que o que é importante é o que estás a desvendar, as histórias e vozes que estás a trazer, e a escrita fica para trás e gostava que houvesse mais reconhecimento de que não é só um meio para falar daqueles temas, também é um fim. Acredito que este tipo de escrita é de facto literária, e não é só para se saber mais sobre uma temática. Serve para nos entendermos, para nos comovermos, e envolve uma construção de linguagem que para mim é muito importante.

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