A marroquina Leïla Slimani criou uma obra ambiciosa e impactante, bem para além da derradeira página, não só pela crueza dos factos, mas pela ténue culpa que desperta em nós, testemunhas silenciosas e cúmplices de uma estrutura societária e familiar anquilosada em colapso iminente, que em Canção Doce, cede pelo lado mais fraco, com efeitos devastadores.
Hoje estarás comigo no paraíso, segundo romance de Bruno Vieira Amaral, é um livro de memórias, contado na primeira pessoa, por uma personagem homónima do autor.
No momento da sua morte, Benjamim verá, pela primeira vez, o filme da sua vida, sem lente protectora, sem filtros ou jogos de luzes, confessando a angústia de conhecer o verdadeiro homem que foi.
A história é-nos contada, quase na sua totalidade, na primeira pessoa, como um diário escrito pelo protagonista, Mário Cardoso, actor carioca de meia-idade e ídolo caído das novelas que, consciente da sua decadência, tenta recuperar o brilho de outrora regressando ao início de tudo, ao teatro, com a encenação de uma versão de “Rei Lear”, tragédia shakesperiana de 1606.
Em As Pessoas do Drama encontramos um romance sem um desfecho claro, sem explicações de enredos ou das motivações mais profundas as personagens; não estamos perante uma tragédia, mas antes perante um drama como título nos indica: um drama da perplexidade humana.
Tudo aconteceu quando um cientista japonês inventou um gás que deveria destruir apenas os inimigos do seu país. Contudo, toda a humanidade, com a exceção de Gérard e um pequeno grupo de crianças, acabou por ser dissolvida
Mensagem subliminar, mas que percorre toda a narrativa, é a da literacia como arma poderosa na luta, na fuga e na conquista, como janela para o Mundo e para a emancipação, como estrada ainda mais subterrânea, porque pertença inexpugnável de cada um e da sua identidade.
O livro vive da importância das coisas simples, das forças telúricas da fome e do frio, simplicidade que se estende às palavras de London, às personagens, aos cenários. Sem figuras de estilo complexas, ou adjectivação criativa, o léxico usado pelo escritor é o das pedras, da água, do cansaço, da dor, do amor, da raiva, da vingança, presentes em Buck em estado bruto.
“A história tem destas coisas. Se Donald Trump não tivesse chegado à Casa Branca, este livro manter-se-ia esquecido até que alguém minimamente parecido lá chegasse.”
Por entre as diferentes épocas de dois séculos contíguos, o autor navega avisadamente e, anunciando expressamente onde nos devemos situar, ao leitor é vedado deixar-se guiar pelas referências ou até pelos recursos linguísticos que, aqui e ali, claramente lhe serviriam de GPS.